sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Néctar


Noite fechada quando avistamos, os navegadores de Hérida, a intensa luz que a nós chegou, como de indiscerníveis archotes, da ilha imóvel sobre o quente e salobro mar ao sul da baía de Santa Assunción; e era assim, pintada de amarelo, a ilha de Néctar – cantada em prosa e verso por nautas, poetas e loucos, desde antes das embarcações, das longas rotas marítimas e das descobertas.

Néctar, ilha por todos sonhada, nunca ninguém provou dela, contudo, o mel. Encanto soterrado no que passou, feitiço de ilha sempre por existir – desde o começo do começo do começo.

Em Néctar, a vigília pronta ao bote, nunca permitiu que conhecessem, da ilha, florestas e montanhas, rios tocados pelo açúcar mais claro, pedras a verter olor e espuma. Mas a vigília, impiedosa, sempre tentou, e alguma vez sempre conseguiu, impedir que o sonho de Néctar se transformasse em realidade.

Isto até o dia em que, descuidada, a vigília adormeceu e sonhou com uma ilha quase bíblica onde doçura e calma, encanto e lucidez, formavam nela como se bosques desabados de flores.

E só então os habitantes de Néctar, imersos no sonho de estar sonhando Néctar em plena baía de Santa Assunción, martirizavam, ainda outra vez, a exemplo do poema andaluz, colibris de amor entre los dientes.

Não foram poucos os embarcados que se atiraram ao mar revolto em busca de Néctar e seus entrecéus de estrelas, morrendo alguns, salvando-se outros, em meio ao mar tempestuoso. Chegar à Néctar era mais que uma imposição do espírito, mais que as aventuras desatinadas, mais que morrer de amor entre escombros; chegar à Néctar era a honra da conquista e o amor mais claro à poesia que na ilha andava como andam os ventos, ainda hoje, rente às águas da baía de Santa Assunción.


Do livro inédito “Ilhas”

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