sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Pavões


Em que outro céu, rumor de estrelas, moram, novas, as aves-do-paraíso? Cada pluma, uma pena de escandalosos olhos estrelados, refletindo a tarde e o luminescente azul da cor do dia.
Cacarejas de um lado a outro, impaciente, andando o viveiro, de olhos tensos, e pequeninos; e a insistentes bicadas, furiosas ao sol, laceras-me a carne do braço. Protejo o pescoço de um golpe mortal e, em legítima defesa, já lanho vossa carótida com desusada fúria.
Fomos tão lindos, maravilha!, e as manhãs impetuosas, maravilha!, faziam-nos da cauda em leque a pronta construção de uma vida admirável.
Difícil mirar de nós os pés – tronchas garras cinzas presas ao chão com a tenacidade comovida de quem apostou – de vez – que o futuro é só uma paisagem aziaga.
Não foi de vôo nem desassombro o lamento em que, presos às coisas gastas e vãs, contentamo-nos com nossos leques coloridos e não ousamos, uma vez sequer, passar da beleza emplumada à essência primeira de um novo fascínio, e verdadeiro.
Aves terrestres, sequer cantamos.
Do livro "Manual de Zoofilia"

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