domingo, 11 de novembro de 2007

Conversa de cães num bosque de pinheiros

Cezanne

O dia em que chegamos a Curitiba, vindos do Norte vermelho, o pai, que era o único que lia, leu numa parede da estação-de-ferro o cartaz que anunciava, para dali a um dia, no Água Verde, uma conversa de cães num bosque de pinheiros.

Na pensão da Eufrásio Correia, no mesmo dia seguinte, logo cedo fomos ver a fonte no meio da praça – como ela fosse um triunfo. Mulheres nuinhas enroladas em peixes que vertiam água pela boca verdoenga de limo. Mas sobre isto, o pai lembrou, o cartaz da estação-de-ferro não tinha falado coisa nenhuma.

O pai disse que iria levar as crianças para ouvir a conversa dos cães no bosque de pinheiros, assim que desse a hora aprazada. Eu e meu irmão não sabíamos o que era hora aprazada mas mesmo assim esperamos comportados como meninas.

No dia seguinte ao dia seguinte o pai disse que era o dia. E seguimos num ônibus, que tinha a frente feito fosse um grosso nariz comprido. O Água Verde demorou a aparecer. E quando o Água Verde apareceu foi um assombro. Tinha casas-de-madeira e ruas de pedrinhas nem que a nossa aldeia caipira.

Aonde descemos do ônibus havia pipoqueiro e vendedor de algodão doce. Espantou-nos apenas que fossem azuis. Nunca tínhamos visto algodão doce azul na vida. Mas o que queríamos mesmo era escutar a conversa dos cães no bosque de pinheiros que o cartaz da estação-de-ferro anunciava o dia em que chegamos a Curitiba.

Mas já era muito tarde, começava a escurecer, e além do algodão azul o pai não nos comprou mais nada, sempre falando da conversa dos cães igual que ela fosse um pudim, salada-de-frutas, vitamina. Mas já era muito tarde e só sei que andamos a pé até chegar, quase noite alta, de volta à pensão da Eufrásio Correia.
Antes de dormir, o pai disse que se nos comportássemos, no dia seguinte além de irmos de novo à fonte, a gente ia escutar, no Água Verde, agora sim, a conversa dos cães no bosque de pinheiros.

Do livro inédito "Racontos de Vila Pequena"


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