domingo, 16 de março de 2008

Faço minhas as palavras de Boris Schnaiderman na orelha de A copista de Kafka: é um texto envolvente. Digo mais: fluente. Uma das virtudes que mais valorizo numa obra literária é a capacidade de liquidez do texto junto ao leitor, seu objetivo principal. Para oferecer prazer à leitura um texto deve ser capaz de penetrar – sem atrito – pelos nossos vasos comunicantes. Não se pense por isso tratar-se de um texto fácil. Não é essa a questão – pois até mesmo em Grande Sertão percebe-se esta característica (quase sempre associada ao ritmo).

Romancista experiente, Bueno faz uso de um jargão literário capaz de confirmar sua destreza com a palavra, ao levar a sério a máxima de que as dez primeiras linhas de um livro são fundamentais para se fisgar um leitor.

Vejam isso:

Conheci ontem o simpático senhor Franz. Olhou-me demoradamente os pés. Terá notado o defeito que tão insistentemente escondo e dele só dou registro nas páginas deste diário exausto? São grandes, julgo muito grandes os meus pés. Também não aprecio o meu nariz. Acompanha-me o rosto, como me acompanha a boca rasgada e as sobrancelhas proeminentes, mas não aprecio o meu nariz. Pareceu-me um homem encantador, o senhor Franz a noite passada, no apartamento de Brod. Gentil e magro, um perfeito cavalheiro. Guardei dele, com uma intensidade assustada, os olhos – muito negros e, às vezes um pouco alheados. Acho que nasceu ali uma amizade para toda a vida.

Trocando de narrador a cada capítulo, Bueno cria um estranho universo de sensibilidades numa seqüência de histórias espetaculares feitas do cotidiano mais surreal: o gato de cinco patas, o raivoso enjaulado na urna de vidro – e cá estamos de volta ao diário da copista de Franz Kafka. Livro-surpresa, este representa, sem dúvida, um upgrade na obra já consumada do escritor da Vila Tingüi. Assim é também na opinião do caderno especializado Prosa & Verso d´O Globo, que há duas semanas teceu elogios pesados ao livro.

O dream time paranaense – com Tezza, Valêncio Xavier, Pelegrini, Miguel Sanches e Wilson Bueno já merece uma coletânea. Estou esquecendo alguém?

Toninho Vaz, de Santa Teresa

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